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INQUILINOS - Capítulo I

  • Foto do escritor: Pricilla Maria
    Pricilla Maria
  • 1 de ago. de 2019
  • 4 min de leitura

Maíra e Pedro chegam à casa.


É um casarão do século XVIII, de desenho tradicional inglês. De pé direito alto, com várias janelas pequenas e uma porta dupla na entrada. Sem varandas laterais, tinha apenas uma varanda frontal com vários tipos de flores e ervas, muito bem cultivadas. A frente da casa era, assim, muito colorida. De tons terrosos, a casa parecia sair de um dos romances de Jane Austen, saltado de dentro da terra e fincado seus alicerces ali, no meio da Mata Atlântica, na grande capital de São Paulo.


Ninguém sabia ao certo como aquela casa fora parar ali. Alguns historiadores diziam que ela pertencia a uma duquesa inglesa, estupidamente rica, que fora fazer uma visita ao Brasil e que não queria ficar nos hotéis da cidade de São Paulo. Nenhum lugar poderia servi-la como ela queria. Então, com alguns de seus trocados, mandou fazer uma casa com quinze quartos, cinco banheiros, duas cozinhas, e mais um estabulo para seus cavalos. Além disso, a casa era muito bem equipada. Todos os quartos mobiliados com camas pomposas e espelhos de todos os tamanhos, boticas com pigmentos, ervas e remédios. As cozinhas ambas com seus apetrechos e utensílios necessários para a arte do cozer: panelas grandes, fogões e fornos a lenha, facas de diversos tamanhos e finalidades.


Mas o que mais encantava na casa, seu maior charme, era sua sala de estar. Do tamanho de uma casa popular, com papeis de parede florais, também em tons terrosos, a sala tinha um bar com balcão ao fundo, dois gramofones - um em cada lado - e vários sofás e poltronas que organizados deixavam uma área bem confortável para a dança. Era uma sala de estar desenhada para reuniões e festas. Aparentemente, a marquesa costumava receber vários convidados.


E foi em um destes sofás que Maíra e Pedro se jogaram, depois da viagem até ali, no alto daquele morro. Tão alto que além de frio, era quase difícil respirar ali. Maíra torcia para que seus pulmões e os de Pedro logo se acostumassem àquele ar levemente mais rarefeito. Porém, torcia mais ainda que Pedro não tivesse nenhuma crise decorrente da leucemia que vinha tratando a alguns meses. Ele estava bem agora. Já não fazia quimioterapia; os cabelos que antes estiveram sumidos de sua cabeça agora formavam uma pequena penugem crespa em sua quase careca. Mas para que ele se livrasse aos poucos desta enfermidade, Maíra teve que lidar com forças que ela não gostaria de encontrar de novo.


O último caso em que atuou como advogada lhe rendeu dinheiro e notoriedade suficiente para que ela comprasse aquela casa, quase abandonada pela família da finada duquesa. Porém, o preço que ela pagou por isso foi a quase perda de sua sanidade e saúde mental. Sua estratégia foi sair de foco por um tempo e levar Pedro para uma recuperação mais tranquila, longe de holofotes e ameaças. E aquela casa parecia a materialização de tudo que ela queria para ela e seu filho.


Depois de colocar todas as malas para dentro, os dois se dividiram para explorar os inúmeros cômodos da casa. Maíra olhou cada quarto do lado direito da casa. O curioso é que cada um deles tinha uma câmara na parede, ao lado da cama, que pareciam se interligar entre si. Um rústico sistema de comunicação que passava pela casa toda. Ao chegar ao quarto maior, obviamente o que pertencia à duquesa, havia uma câmara menor do lado oposto ao que estava a câmara maior, com a sinalização COZINHA, em letras distorcidas até o ponto máximo antes de perderem a elegância.


Pedro, por suas andanças do lado esquerdo da casa, encontrou uma mesma câmara desta em um quarto. Também estava escrito em cima dela a palavra COZINHA. Porém, além desta câmara, Pedro encontrou também uma câmara gêmea, bem acima da cabeceira da cama. Mas nesta havia outra sinalização: MAMÃE. Ele finalmente correu os olhos atentamente para o quarto e percebeu que aquele era um quarto de criança, sem dúvidas. Um berço desmantelado pendia em cima de uma perna quebrada em um canto. Pedro não caberia naquele berço, com seu quase um metro de perna, porém a caixa de bebê, como ele chamava em sua infância, era grande suficiente para caber uns cinco bebês dentro. Ao lado do berço havia uma poltrona velha e cheia de teias de aranha, mas ainda confortável. Pedro pediria a mãe depois para levá-la a seu quarto. À distância de um braço, estava uma pequena estante de livros. Pedro folheou alguns e percebeu que a maioria estava em inglês e ele conseguiu ler apenas alguns. Era um inglês estranho. Talvez o que falavam quando a casa foi construída, e sua mãe havia dito que ela o fora há muito tempo.


Andaram por toda a casa, examinando texturas, cores, sons, objetos e algumas roupas de cama e de gente de haviam ficado por ali. Junto com a casa veio quase toda a mobília dos antigos donos. E eles haviam ficado com quase toda a mobília dos donos que vieram antes. E assim sucessivamente, fazendo com que absolutamente nada de novo entrasse naquela casa, desde que sua primeira dona se mudara. A casa era quase um museu.


Dessa forma, quando Maíra ligou para o homem que lhe vendera a casa, neto distante da duquesa, ela precisou travar uma batalha digna de um campeonato de UFC para convencê-lo a trocar a fiação elétrica para conseguir instalar uma geladeira e fogão e forno elétricos. Aproveitando que já estava com ele na linha, pediu que ele também viesse preparado para levar alguns objetos da casa que ela não usaria e que não tinha onde guardar. Afinal, o que é um peido para quem está cagado? E veio o segundo round. Mas Maíra ganhou mais esse.


O que Maíra não sabia, e que o velho lhe avisou, era que a casa tinha um porão e um sótão, onde ela poderia esconder de sua vista algumas coisas que ela não queria na decoração da casa. Entretanto, o que o velho não lhe disse foi que daquele porão e daquele sótão, algumas vezes por ano, pela fresta das suas respectivas portas, olhos amarelos rodeados por olheiras tão profundas quanto o escuro de suas pupilas rastreavam o lugar, a procura de ameaças. Eles queriam sair dali. Mas nem mesmo o velho neto da duquesa estupidamente rica sabia disso.

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